segunda-feira, novembro 12, 2001

ESCUTA AQUI

O novo rock americano entre o lamento e a revolta
Divulgação
Os integrantes do Black Rebel Motorcycle Club


O Pinback, de San Diego, lamenta: "Triste saber que vou morrer/ Mas espero que seja depois do que eu imagino".
E o Black Rebel Motorcycle Club, de San Francisco, fulmina: "Entreguei minha alma a uma nova religião/ O que aconteceu com você? O que aconteceu com meu rock and roll?".
O Pinback é cerebral, sincero e econômico. O BRMC protege-se atrás de uma névoa espessa, onde atitude e música têm a mesma importância.
Musicalmente, não se parecem em nada. Mas acabam se encontrando por praticarem, cada um a seu modo, um rock and roll fora dos radares da indústria. Nem pop para consumo fugaz, nem brutalmente analfabeto como o chamado novo metal que manda nas rádios dos EUA.
Pinback e BRMC são guerrilheiros, digamos.
Nos últimos dias, vi um show de cada banda, e aqui cabem explicações.
O Pinback é uma dupla, Zach Burwell e Rob Crow, que se alterna nos vocais, guitarras, baixos, teclados, percussão e programação de ritmos. Ao vivo, contam com um baixista e um baterista.
Só gravam em casa, no computador pessoal de Zach. O segundo álbum do Pinback acaba de sair, chama-se "Blue Screen Life" e, em seus melhores momentos, parece um encontro celestial do Pavement com o Portishead.
O mais impressionante, tanto em disco como ao vivo, é a precisão com que Rob e Zach dividem os vocais: basicamente, um canta, e o outro fala.
Nada é igual ao Pinback.
O BRMC é outra história. Trata-se de uma cópia idêntica do finado grupo escocês Jesus and Mary Chain. Tem as mesmas guitarras em distorção fora de rumo, o mesmo baixo que perfura a caixa craniana e, principalmente, a mesma temática niilista induzida por drogas.
Peter Hayes (guitarra e vocais), Robert Turner (baixo) e Nick Jago (bateria) vêm da chamada East Bay, região de San Francisco. Têm 20 e pouquíssimos anos. Negam-se a dar detalhes precisos sobre sua origem com medo, comenta-se, de que repórteres descubram fotos ridículas de seus álbuns de formatura da escola (tem de ser muito moleque para se preocupar com uma coisa dessas).
Ao vivo, ainda têm um longo caminho a percorrer. Mas seu repertório é sólido, cheio de várias canções boas e uma excepcional: "Whatever Happened to My Rock" n" Roll (punk song)".
O som do BRMC seria só uma imitação rasa do rock inglês do começo dos anos 90 se não fosse tão desesperadamente jovem. Mais: se não fosse tão puro rock and roll.


GRINGAS

Scheila e os caipiras
Leio na internet que a monumental Scheila Carvalho foi eleita, no Brasil, a mulher mais sensual do mundo. Sou fã da moça, mas não seria exagero chamá-la de a mais sensual... do mundo? Depois dizem que os americanos é que são caipiras e desinformados sobre o resto do planeta.

O Exorcista 1
Imagine se Linda Blair, a possuída em "O Exorcista", excursionasse divulgando sua autobiografia. E que, em um cinema lotado, se dispusesse a ser entrevistada por uma drag queen fanática por filmes. Tudo isso como "aquecimento" para mais uma exibição do hoje clássico "O Exorcista". Imaginou?

O Exorcista 2
Pois aconteceu mesmo, há pouco tempo, em San Francisco. Linda respondeu a toda e qualquer pergunta sobre sua vida e carreira (ou ausência de). Na autobiografia, além de histórias dos bastidores demoníacos, ela faz a apologia do amor pelos animais e do vegetarianismo radical.

Black metal
Rob Crow, do Pinback, fez ironia com o público, dedicando uma música "aos fãs de black metal", tipo sombrio de heavy metal que não tem nada a ver com o Pinback. Pessoas gritaram, então, nomes da bandas que imaginavam ser de black metal: Exodus, Carcass e Slayer. Só bola fora. Rob riu.

CD PLAYER

PLAY

"Blue Screen Life",
Pinback
Talvez o Pinback seja a melhor banda que vi e ouvi nesses dois anos nos EUA. É corajosamente original, com melodias muito simples, mas apresentadas sempre com sofisticação.

PLAY

"Twisted Tenderness
Deluxe",
Electronic Coletânea em CD duplo do grupo de rock eletrônico formado por Bernard Sumner, do New Order, e Johnny Marr, dos Smiths. E o melhor: tem faixas inéditas.

PAUSE

"It's a Wonderful Life",
Sparklehorse
Paciente, "Escuta Aqui" ainda está tentando entender o folk torturado que Mark Linkous concebeu no novo disco do Sparklehorse. Talvez nunca entenda.

MÚSICA

Simplicidade e um pouquinho de massa cinzenta

Banda inclui crítica ao arsenal de skate, mulheres e baladas

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem ouve rádio conhece de cor, mesmo sem querer, a canção "Não É Serio", do Charlie Brown Jr., que é martelada em várias sintonias do dial há cerca de oito meses. A música, do álbum "Nadando com os Tubarões", de 2000, fala do "jovem", do tal "sistema", e apregoa uma crítica antes incomum ao repertório de baboseiras da banda santista.
O acréscimo de massa cinzenta ao trabalho da banda é resultado do flerte deles com o discurso engajado dos grupos de rap, que participaram daquele álbum, e da própria experiência do vocalista Chorão, 31.
Essa novidade serviu de base para grande parte das composições de "100% Charlie Brown Jr. - Abalando a Sua Fábrica", quarto disco da banda, o primeiro lançado pela gravadora EMI, que chega agora às lojas, cheio de hits instantâneos.
""Não É Sério" puxou o carro dessa fase engajada da banda. Isso tem a ver com o que eu estou passando. Perdi meu pai e percebi que fiquei ocioso por muito tempo da minha vida, quando poderia estar fazendo várias coisas legais", explica.
"Passei 27 anos na balada. Era disso que a gente falava nas letras", reconhece o vocalista. "Era mais um jovem desempregado que ficava por aí, vagando pela noite. Agora, é diferente. Sou um cara que percebeu que pode fazer algo legal, que tem vontade de ver as coisas diferentes e que passou a integrar o sistema, pagando contas e impostos", diz, garantindo que, ao menos para ele, a vida passou a ser mais do que uma "balada irada" ou um rolé de skate.
Daí surgem críticas políticas e sociais em letras que falam dos "caras do Senado" ("Eu Protesto") e de "matar o presidente" ("Hoje Eu Acordei Feliz"). Polêmicas para menores de 14 anos criadas por marmanjos trintões.
Mas o grupo é bem-intencionado e, no minguado mercadão de rock brasileiro, o hardcore melódico do Charlie Brown Jr. tem lugar de destaque. A banda foi revelação do Video Music Brasil em 98, faturou os prêmios de melhor clipe de rock e melhor clipe na escolha da audiência em 2001 e já vendeu 1 milhão de cópias de seus discos desde a estréia em "Transpiração Contínua Prolongada", que emplacou canções como "O Coro Vai Comê!" e "Proibida pra Mim".
De lá pra cá, é possível notar um estranho processo de evolução que teima em manter um pé na estaca zero. O Charlie Brown Jr. buscou uma aproximação com jovens menos descerebrados sem deixar de agradar aos fãs da temática skate, mulheres e baladas.
"O jovem hoje tem poucas opções e oportunidades. Ele está muito distante do que quer e por isso se envolve em coisa errada. Só que quem vai mudar essa realidade é o próprio jovem, com autoconfiança e fé. A priori, nossa intenção é mandar um som no papo de entreter, mas com uma mensagem", afirma.
Assim, a banda conjuga alertas ao universo vazio de muitos adolescentes, como em "Só Lazer" ("Se uma mansão e um carro gringo é o que te atrai / Se um videoclipe do Twister te distrai"), a músicas que carregam o que há de mais chavão na irreverência criada por grupos como o Raimundos, como em "Sino Dourado".
"100% Charlie Brown Jr. - Abalando a Sua Fábrica" também traz mudanças sonoras. Com a saída do guitarrista Thiago antes do início das gravações do novo disco, Chorão, Champignon (baixo), Marcão (guitarra) e Pelado (bateria) soam mais garagem e investem em melodias mais simples e cruas. "Viramos um "power trio". Perdemos o requinte, mas ganhamos raça", entusiasma-se Chorão. Agora, é só ligar o rádio e conferir.