terça-feira, outubro 30, 2001

Free Jazz

São Paulo, 26 de Outubro de 2001-10-29

Bom, e lá vamos nós para mais um show aqui na gloriosa SP. Desta vez a primeira noite paulistana do Free Jazz Festival.

Como os ingressos estavam esgotados, e eu tinha dois sobrando, achei, em um primeiro instante, que seria moleza passá-los adiante. Cheguei na porta do local cerca de 45 minutos antes do início. Para minha surpresa, havia uma verdadeira legião de cambistas e outras pessoas querendo vender ingressos. Resumindo a história: depois de uma hora tentando passar os ditos cujos adiante, desisti. Vendi para um outro cambista. Prejuízo contabilizado, era hora de entrar... E para espanto geral, uma fila de uns 300 (!) metros estava a minha espera. Já passava das dez e meia quando entrei no (final) da fila.

Quando consegui entrar, já devia ser mais de 11 horas. Não sei ao certo pois não olhei no relógio. Dentro, alguns roadies arrumavam os equipamentos no palco, enquanto a galera esperava. Beleza! Fui pegar uma cerveja.

Depois de algum tempo, o locutor anuncia os “garotos da gelada Islândia”. Eu tinha perdido o primeiro show. Grandaddy!

O Sigur Rós mandou um show lento e focado. Em certos momentos até parecia um espécie de Ennya ‘esquisita”. É o que se pode chamar de som “etéreo”. Uma levada lenta, algumas vezes barulhenta, e bem intensa, misturadas a muita melodia e alguma repetição.
O detalhe do show é o vocalista/guitarrista que passou a maior parte do show tocando guitarra com um arco de violoncelo.

Os quatro moleques contam com apoio de músico de câmara que atuam em algumas músicas, ajudando a compor o “clima”
Na galera, muita gente comprando bebida ou batendo um papinho amigo (especialmente a mulherada). Na frente do palco, muita concentração no som. Reação mesmo, só nas músicas mais barulhentas.

Enfim, um show bacana, que dificilmente vem para o Brasil em condições normais. O público, muito heterogêneo (aquele mix: descolados de plantão, indies, patricinhas, etc) reagia também de forma heterogênea. Até chegar a vez do Belle & Sebastian...

A primeira vez que ouvi falar de B&S, foi na coluna do Álvaro, no Folhateen. Aquela coisa de corações amargurados, melancolia, e uma pontinha de tristeza no coração.
Formava-se então aqui (como lá fora), uma legião de órfãos dos Smiths, sedentos por pop doce e meigo. Música para corações dilacerados (sempre achei que as coisas aqui só pegam pelo maciço hype dos jornalistas que cobrem a música pop, mas isso já é outra história.)

Começa o show, entra no palco um verdadeiro time de futebol. A primeira música é a faixa de abertura do bom “Boy with the Arab Strap”. (A discografia da banda inclui 4 álbuns e 7 singles, todos lançados no Brasil pela Trama). E para minha total surpresa, o público está totalmente sintonizado. Olho ao redor, muitos dançam e cantam as músicas, tocadas com surpreendente energia. Nos intervalos, um dicionário de expressões em português ajuda a comunicação com o público.
O mais legal é escutar o burburinho da galera ao reconhecer os primeiros acordes de quase todas as músicas. Era claro que todos estavam ali para ver aquele show!! Me surpreendeu de novo! Tanto o show em si, bastante animado, como as milhares de pessoas que lotaram a tenda do main stage. Londres é aqui. Ao menos por algumas horas.

Detalhe: Como estava sozinho, dei uma boa circulada para dar uma geral no povo presente (faz parte da coisa ver as figuras que aparecem). No começo do SR, fiquei no lado esquerdo do palco, uns 20 metros de distância. No intervalo das primeiras músicas, estava distraído dando uma “filmada” na galera quando vi uma turminha a uns 3 metros de mim. Era lúcio Ribeiro, a namorada, e a Clarah! Inacreditável! 4000 pessoas ali, e eles do meu lado!
A Clarah passou ao meu lado, e é claro que eu conversei com ela um pouquinho. Esse negócio de trocar e-mail com uma pessoa que voce nunca viu é muito esquisito. Apresentações foram feitas!

No final do B&S, o lúcio vinha na minha direção e me viu. De lá mandou um aceno. Quando chegou, o cara veio me cumprimentar! (Estou na mídia com diria um amigo radicado em Goiânia). Cool! Troquei uma idéia com a cara e vazei na multidão. Taí uma noite legal.
escuta aqui

Osama, antraz e internet levam San Francisco a nocaute
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Usando luvas roxas de borracha, a funcionária do correio comenta que nunca viu tão pouca gente na agência onde estou, perto de Berkeley, Califórnia (EUA). Ela acha que é medo, e que o medo é bobagem. "Isso é tudo "media hype". Continuo fazendo meu trabalho como sempre. Só estou de luvas." Era uma terça-feira, meio de tarde.
A balconista do correio pode até achar que não, mas tudo mudou nos EUA pós-11 de setembro e pós-cartas com antraz. Correio vazio é só uma entre milhares de novas realidades.
Horas antes de entrar na agência do "post office", eu tinha feito algo raro nesses quase dois anos vivendo nos EUA: saíra para passear a pé por San Francisco. E digo a você, jovem leitor: é brutal o estrago que o colapso das empresas de internet, associado à onda de terrorismo, causou nesta cidade.
Começo por uma região que, há menos de um ano, fervilhava: as avenidas Jackson e Pacific, perto da linda Embarcadero, ampla avenida que margeia a baía de San Francisco.
Passo pelo prédio de tijolinhos onde funcionava a revista "Industry Standard", uma bíblia da economia pontocom. O prédio e o logotipo ainda estão lá, mas a "Industry Standard" faliu.
Ao lado, o ultramoderno restaurante mc2 nem abre mais para almoço. E não há quase clientes na sorveteria zero, modernamente com z minúsculo.
Caminho na direção de Chinatown, o caótico bairro chinês que costumo evitar justamente por causa da bagunça 24 horas. Só que a Chinatown de agora é outra. Não há turistas. Velhinhos cantoneses aposentados descansam na praça, como se estivessem em um dos poucos bairros sossegados de Hong Kong. Nas portas dos restaurantes, fregueses são puxados a laço. Nunca imaginei que veria Chinatown assim.
Viro na direção de North Beach, o frenético bairro das casas de striptease e dos restaurantes italianos. Finalmente, uma fila. De três pessoas, para entrar no Boys Toys, clube de strippers que promete "beautiful girls and fabulous food". Vai ver que eles estavam com fome.
Faz um raríssimo dia de calor (22 C) em fim de outubro, e, um quarteirão para baixo, as mesas estão nas calçadas. Vazias. No café Niebaum-Coppola, que pertence ao cineasta, uma cliente conversa em italiano com o garçom. Não parece San Francisco. Parece o interior da Itália.
Volto para casa sem enfrentar congestionamentos, com a sensação inquietante de que alguém decretou um feriado macabro.

GRINGAS

Zoaram com o Brown 1
E viva a sabedoria popular! Leio na internet que o último show de Carlinhos Brown em São Paulo atraiu a gigantesca massa de... 20 pessoas. Isso, 20, dois, zero, apesar de todo o espaço que esse sujeito tem na mídia, que, rastejante como sempre, o trata como gênio. A palavra final veio da bilheteria.


Zoaram com o Brown 2
No Rock in Rio, Carlinhos Brown foi recebido a garrafadas pelo público. Pôs a culpa nos "metaleiros", que não saberiam, segundo a sumidade Brown, apreciar o verdadeiro som do Brasil. Vamos ver qual desculpa ele vai dar agora. Ressalte-se que o fracasso aconteceu em São Paulo, que tem público para qualquer coisa.


Abacaxi atômico
Abacaxi é pouco para definir "Mulholland Drive", a última picaretag..., digo, película do diretor David Lynch. O roteiro deve ter sido escrito pelo Carlinhos Brown, porque não dá para entender nada. As mesmas atrizes fazem vários personagens, duendes fogem de uma caixinha levada por uma bruxa etc. etc. etc.


Lixo da TV
Como prova de que qualquer coisa vende nos EUA, a genial gravadora e distribuidora Rhino, de Los Angeles, acaba de lançar em DVD os seis episódios de "Pink Lady", considerada a pior série da história da TV americana. "Pink Lady" mostra duas cantoras japonesas que não cantam nem falam inglês.

CD PLAYER

PLAY
"Ox4 The Best of Ride", Ride
Coletânea de uma das maiores bandas britânicas da virada dos anos 80/90, do tipo que tocava olhando para os sapatos e escondia as melodias sob zilhões de guitarras enfurecidas. Era bom, continua sendo.


PAUSE
A existência do Bush
Não é o George W., é a banda. Saiu o disco novo, "Golden State", que não ouvi. O grupo sempre me intrigou. É imitação atrasada do Nirvana, mas faz ótimas apresentações ao vivo e tem senso de humor.


EJECT
"Tem muito homem"
A KALX, rádio da Universidade da Califórnia em Berkeley, toca muita música brasileira cabeça. Esta semana, rolou uma medonha, em que uma mulher repete: "Tem muito homem, tem muito homem!" Não sei o que é.
Praias marcadas
Foi criada uma nova mídia: uma máquina que imprime logotipos e mensagens na areia das praias

Acabo de receber um aviso dando conta da criação de uma nova mídia. Trata-se de uma máquina que imprime logotipos de empresas, slogans e mensagens de cunho social e/ou comercial na areia das praias.

Acoplado aos enormes caminhões varredores, máquinas que fazem a limpeza das praias mais populares nos primeiros raios de sol da manhã, o dispositivo é capaz de imprimir em baixo relevo, milhares de quadrados com mensagens comerciais em toda faixa de areia perto do mar. Nas fotos demonstrativas que acompanham o material, podem ser conferidos logotipos como Coca-Cola, Globo, Mc Donalds, Bradesco, Telefonica e outras grandes corporações. Há, ainda, exemplos de campanhas de "cunho social" com frases como "Esporte não é droga, pratique".

No mesmo material, descobre-se que, com a verba paga pelos anunciantes, pequenas prefeituras poderão passar a limpar melhor suas praias, deixando de fazer o serviço manualmente e adquirindo o equipamento.

Lembro-me de quando comecei a escrever esta coluna, aqui mesmo no JT, uns dez anos atrás, no caderno que se chamava Jornal da Praia. Na época, registrei, revoltado, meu repúdio contra a instalação de um enorme relógio desses que mostram hora e temperatura, debaixo de um back light gigante com a marca de um fabricante de cigarros. O totem ficava em plena, então quase imaculada, Maresias, uma espécie de santuário até ali.

Olhando para o que se tornou Maresias hoje, meu protesto não passa de uma comédia de gosto questionável.

A noção do que é e para que serve uma praia tem sido de tal forma revirada que tenho dificuldade para formar minha opinião sobre o serviço proposto pela nova companhia de mídia exterior em forma de carimbos que somem das areias no decorrer do dia.

Quando era claro para a maioria da população que praias eram pedaços especiais do meio-ambiente, faixinhas lindas do planeta espremidas entre céu, água e terra, nas quais havia menos gente que nas cidades, e onde, por um fenômeno difícil de explicar, as pessoas se tornavam melhores, mais parecidas com o que de verdade são, retomando aquilo que vai ficando esquecido na vida aglomerada dos grandes centros, um despretensioso relógio parecia um grito histérico irrompendo em meio à mais calma e doce melodia de João Gilberto.

Berros

Agora que as praias estão mais para Funk do Tigrão que para Garota de Ipanema, e que vêm aos poucos se tornando espécies de parques temáticos, filiais de grandes feiras promocionais, abrigando show rooms, back lights, outdoors, boates, exércitos de promoters que distribuem amostras uns aos outros desesperadamente, a proposta da empresa mencionada parece fazer algum sentido. É como se fossemos esperar que a Avenida Henrique Schaumann prescindisse do caminhão que a varre, ou das placas que anunciam comércios, serviços e outros "features".

O que está errado, a transformação do planeta e do meio-ambiente num shopping gigante, onde a sujeira, a degradação e a poluição são só um meio, plenamente justificado pelo fim maior do "mercado" e da "economia próspera"?

Ou a empresa que, diante do inexorável, oferece uma maneira criativa de diminuir o problema, entregando areias limpas de manhã em troca de alguns milhares de quadradinhos com a marca Marlboro?

Jornal da Tarde
30/10/2001