terça-feira, outubro 09, 2001

Aquiéquistão
por Paulo Lima

Curiosamente, há uns 15 dias, simultaneamente, duas revistas semanais veicularam pela cidade, outdoors praticamente idênticos com frases que diziam: "Agora é a vez do terror ficar com medo".

De fato, começaram os ataques aéreos ao Afeganistão. A pergunta é : seria uma espécie de jogo de revezamento em que cada um fica com medo uma semana?

Os jornais falam em um plano especial de defesa dos símbolos nacionais pelas forças americanas. Quais são os símbolos nacionais defensáveis? A Disneyworld? O Empire State? A fábrica da Budweiser? Uma escola primária no Texas? Como é possível prevenir ataques suicidas em um país enorme? E ainda que fosse, quem protegerá os vizinhos? E os aliados?

Um amigo me disse algo que não me sai da cabeça: este conflito vai servir para realizarmos que não existe mais o outro. Um ser esquisito, distante, um inimigo com cara feia, que vivia em outras paragens, do qual era possível manipular a imagem, de forma a torná-lo um monstro comedor de crianças, a quem devíamos odiar incondicionalmente.

Agora ele vive perto, leva as crianças no parquinho logo ali, dirige o táxi, lava pára-brisas nos faróis, é motoboy, cursa aulas na faculdade, mora em frente... Mais que isso até, o inimigo chegou tão perto que agora vive dentro de nós. Esse é o inimigo mais difícil de combater. O pedacinho da gente que não tolera o diferente, que se considera, ainda que só um pouquinho, melhor que os outros, que deseja matar para resolver diferenças, que não respeita outras cores, outras crenças, que despreza os velhos, os feios, os pobres, os gordos, os magros, os bem sucedidos, os loosers, os muito magros, os muito ricos, os de outro partido, os do outro time, os gays, os bissexuais, os chatos...

Bestinhas de coleira

Não só os americanos, mas todos nos vimos de repente a lidar com bin ladenzinhos internos que vivem acorrentados mas que, em alguns mais, em outros menos, soltam-se das amarras volta e meia e derrubam as torres dos outros.

O que foi, se não o embate entre essas criaturinhas repentinamente soltas de suas coleiras, o vozerio coletivo que gritou em coro o nome do terrorista nº 1 diante do músico americano que tocou o hino de seu país em solo gaúcho semana passada. O que queriam dizer os dois lados dessa cena? O que de fato queriam dizer aqueles que gritaram o nome de Bin Laden? Que sentimento realmente expressava o músico, quando disparou ao microfone "God bless América and fuck you all?".

Agora, será preciso entender um pouco melhor todas as nuanças do fundamentalismo. Não só a mais clara e exposta, que se envolve em lenços e usa barbas longas e metralhadoras, mas a do outro lado que, da mesma forma, não tolera o diferente e tenta impor suas crenças e verdades ao outro e, por quê não?, prestar mais atenção ao fundamentalismo brasileiro, das castas poderosas que empurram seus modelos injustos e opressivos sobre os miseráveis, além dos limites suportáveis ou de qualquer lógica. Se olharmos a violência da guerrilha urbana que nos cerca, aqui mesmo em São Paulo, ficará fácil perceber que não são só os terroristas árabes, Bush e os americanos que têm que rever seus métodos, prioridades e verdades antes que seja tarde para corrigir o rumo.



Jornal da Tarde
09/10/2001


Muito rango e pouco som
[ 05.Out.2001 ]







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Ivan Finotti


Márcio Custódio

Três da madrugada de segunda para terça desta semana. No Espaço Urbano, uma casa noturna no bairro de Pinheiros, em São Paulo, algumas mesas separam Ian McCulloch, líder e vocalista da mítica banda de rock Echo & the Bunnymen, e Alexandre Pires, líder e vocalista do alinhado grupo de pagode Só Pra Contrariar.

O jornalista André Barcinski não se contém. Chega no ouvido de Pires:

-Alexandre, tem um cara ali na mesa, um roqueiro inglês famoso, que é muito fã do seu trabalho. Ele adora o Só Pra Contrariar, tem todos os seus discos e quer muito te conhecer. Você poderia dar uma chegadinha ali comigo?

Na mesa, o também jornalista Paulo César Martins, o Paulão, faz a sua parte:

-Ian, tem um cara ali na pista que te adora. É o maior sambista do Brasil e é fã do Echo & the Bunnymen. Ficou sabendo que você estava aqui hoje e veio especialmente para te conhecer. Ah, ele está vindo para cá. Vamos tirar uma foto juntos?

É claro que Ian nunca tinha ouvido sequer falar de Só Pra Contrariar. E, para Alexandre Pires, o nome Echo & the Bunnymen soa tão distante quanto as montanhas do Afeganistão. Mas que a foto saiu, saiu. E também um diálogo de meio minuto, com amenidades como "Está gostando do Brasil?" e "Já foi à Inglaterra?", cada um tentando ser simpático com o outro, crentes que estavam diante de um fã número um.

Diversão garantida, pelo menos para os dois jornalistas e os DJs Márcio Custódio e Érica de Freitas, que acompanhavam Ian na balada. Balada que começou no início da noite com um rolê pelas rádios rock de São Paulo, onde o inglês divulgava o CD "Flowers", o último de sua banda, lançado aqui pela independente Sum Records. Na Brasil 2000, McCulloch e sua escudeira da gravadora, Andréa de Marco, participaram do caótico "Garagem", programa de Barcinski e Paulão. Lá, ele destruiu um CD de Paul Simon com uma furadeira ("É justo pelo lixo que ele tem feito nos últimos 20 anos") e tomou três caipirinhas de pinga de alambique mineira ("É uma das melhores que já tomei", disse ao barman Raimundo, trazido especialmente do Galpão 16). Em 87, após sua primeira turnê brasileira (a outra foi em 99), o autor de "Rescue" declarou que a melhor coisa que descobriu no país foi a mistura de limão, açúcar e cachaça.

A passagem de uma semana de McCulloch pelo Brasil pode ser resumida em três pontos principais: bebida, comida e mais bebida. Com algumas pitadas, é claro, de sexo, drogas e rock´n´roll. No Urbano, onde conheceu o pagodeiro, McCulloch engatou às três caipirinhas quatro conhaques misturados com licor de creme de chocolate, mais alguns drinques esparsos. Ficou tão alegre que, na volta para o hotel da Vila Olímpia, no Uno 89 prateado da DJ Érica, não fechou a boca. Cantou Abba ("Fernando"), Frank Sinatra ("My Way"), Oasis ("Champagne Supernova", "um lixo", disse). Cantou até "People Are Strange", canção do Doors surrupiada pelo Echo em 1987. "A minha versão é melhor, não é?", perguntou.

Na quarta-feira, Barcinski, Paulão e Érica levaram Ian e Pete Byrne, empresário e guitarrista de apoio da banda, ao clássico Corinthians e Palmeiras, no Morumbi. McCulloch é um entusiasta apaixonado do futebol. Na Inglaterra, é torcedor do Liverpool, daqueles que compram carnês com todos os ingressos da temporada. "Fui em todos os jogos nos últimos 14 anos. Ainda vou ser presidente do clube", brinca. Paulão, corintiano de comprar pay-per-view, presenteou o roqueiro com uma bandeira do Timão e garantiu mais uma adesão à sfileiras alvi-negras. A partida foi das boas, 4 a 2 para o time de McCulloch, mas o inglês quase pôs tudo a perder. Quando o jogo estava 3 a 0 para o Corinthians, com apenas 30 minutos de bola corrida, ele hutou:"Vai ser 5 a 0". Foi só ele falar que o Palmeiras marcou e chegou perto de empatar o jogo, no início do segundo tempo, ao diminuir para 3 a 2.

Só mesmo esse pé frio para explicar a roupa de inverno londrino com que Ian foi ao Morumbi. Com meias pretas de lã, tênis Adidas de couro, calça de veludo, camiseta preta, paletó (que ele não tirou) e bandeira do Corinthians enrolada no pulso, o autor de "Killing Moon" deve ter sofrido horrores debaixo do sol de 30 graus, mas não demonstrou. Fato curioso, ainda mais depois que ele se encantou com os sanduíches na porta do estádio. "O que é isso?" Era pernil. Comeu um e pediu um segundo, dessa vez de linguiça. Ambos completos, com maionese, repolho e o que mais viesse. Durante a partida, comprou quatro tipos de amendoim: bolinha, japonês, com casca e doce. A única coisa que recusou foi a cerveja sem álcool vendida no local. "É muito ruim", disse, contorcendo toda a cara.

Depois do jogo, McCulloch foi ao Montana Grill, churrascaria da dupla caipira Chitãozinho e Xororó na avenida Juscelino Kubitschek. Adorou a fraldinha, comeu dezenas de corações de frango e pediu a costela mais gordurosa da casa, tudo acompanhado por cerveja (com álcool) e mais caipirinha. Na sobremesa, pediu pudim de leite, mas pediu para trocar a calda de caramelo por um cálice de rum como cobertura.

O dia seguinte, quinta-feira, foi a vez do DJ Club. Márcio Custódio e Érica de Freitas, que mantêm lá o projeto Sound, aos sábados, organizaram uma festa especial para Ian discotecar. Ele pediu uma lista de CDs que iam de Blur a Velvet Underground, passando por Nirvana, Fatboy Slim e Frank Sinatra. Quinhentas pessoas lotaram o lugar. Eram todos jornalistas e fãs, como Marcelo Araujo, o Meleca, que seguiu Ian por onde passou. Depois das visitas às rádios na segunda, Meleca foi atrás do inglês no Sesc Pompéia, onde gravou o programa "Musikaos", na terça-feira, e fez plantão na porta da MTV na quinta. Ali, conseguiu autógrafos em dois CDs. Mais tarde, Meleca conseguiu entrar no reservado do DJ Club, onde Ian e alguns poucos bebiam cerveja. Apertou as mãos do roqueiro e trocou algumas palavras. "Vou passar a semana inteira fazendo inveja para os meus amigos no Tremembé", explicou o único fã da zona norte que pode se gabar de ter entrado no reservado de seu ídolo.

O set de McCulloch foi dos mais estranhos que se viu no DJ Club. Não pelo pouco tempo, não mais que 40 minutos, nem pelas músicas que tocou, apesar de algumas esquisitices: Iggy Pop ("Lust for life"), Doors ("LA Woman"), david Bowie ("Jean Genie"), Nirvana ("All Apologies"), Grace Jones ("La Vie en Rose") e Frank Sinatra (vou ficar devendo), nessa ordem. O que causou estranheza foi que ninguém dançou. Os convidados ficavam ali, na pista lotada, olhando para McCulloch como se fosse um show de rock, sem querer perder um único trejeito do artista. Ao fim de cada música, Ian era aplaudido. O auge foi quando entrou uam música própria, "The Cutter", música de "Porcupine", CD que Kurt Cobain considerava um dos melhores de todos os tempos. Ian abaixou o som nos refrões para o povo cantar e, como um maestro, conduziu a canção. Para sair, escolheu "She Loves You", dos Beatles.

Sexta-feira era dia de Ian conhecer o barzinho do Hotel Cambridge. E sábado, dia de ir embora. A mala sai mais recheada do que quando chegou, no domingo passado. No meio das roupas pretas, vai uma camiseta amarela da Seleção Brasileira, presente que todo gringo parece estar destinado a receber. E, claro, a bandeira
do Corinthians.


segunda-feira, outubro 08, 2001

escuta aqui

Os mensageiros da fofura estão chegando
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Um mundo onde o cordeirinho e o leãozinho são amiguinhos. Onde todos dançam alegres, em fofura comunal. Onde não existe a guerra, só o amor, o amor.
Belle and Sebastian, a banda escocesa que daqui a poucos dias toca no Free Jazz, aí no Brasil, vive em um lugar assim. Doce, politicamente correto. E cheio de melodias maravilhosas.
Foi esse o clima de um show que eles fizeram há alguns dias em San Francisco, no lendário teatro Warfield. Duas noite esgotadas, como sempre por aqui.
Em um lance incomum, o show começa com um cover: "Leader of the Pack", da banda de meninas dos anos 60 Shangri-Las. Stuart Murdoch, vocalista e principal compositor do grupo, entra no palco pilotando uma moto.
A imagem é de uma aula de conservatório em cidade pequena. Em algumas canções, chega a 13 (!) o número de músicos em ação. São oito da banda e cinco de apoio. Todo mundo vestido como se estivesse lendo um livro em casa, todo mundo um pouco feio ou um pouco gordo ou um pouco desajeitado. E absolutamente nenhum artifício técnico-cenográfico.
A cidade é San Francisco, o lugar mais frufru e politicamente correto da galáxia, então, Belle and Sebastian estava em casa, mais do que em sua Escócia natal.
Estão todos tão à vontade que Murdoch pergunta se alguém na platéia sabe cantar "The Boy With the Thorn in His Side", dos finados Smiths. Claro que alguém sabe. O fã sobe ao palco e manda a música inteira, acompanhado pela banda!
O domínio sobre a platéia é agora completo. O B&S ataca (o verbo talvez seja muito forte) com "The Boy with the Arab Strap", e duas funcionárias do teatro cometem a inominável ousadia de dançar nos corredores entre as cadeiras.
São rapidamente seguidas por dezenas de bellemaníacos, que fazem trenzinho e ensaiam coreografias.
Claro que tudo dura pouco, porque as rígidas regras de segurança não permitem ninguém nos corredores.
E também não daria para continuar dançando, porque a próxima música é a linda e lenta "Fox in the Snow", o melhor momento da noite.
No bis, outro cover, "Everyday People", da multirracial Sly and the Family Stone, uma das bandas-símbolo de San Francisco.
Murdoch explica que, na turnê americana, eles terminam cada show com uma música de um grupo importante da cidade.
Em breve, estarão no Brasil. "Trem das Onze" e "Garota de Ipanema" à vista?