Gostoso por Paulo Lima
Se a cada vez que alguém fala que gostaria de sair de São Paulo, uma criança fosse retirada das ruas, em questão de segundos menores abandonados seriam mais raros que as ovas do esturjão albino. Basta se formar uma roda com duas pessoas e a hipótese da mudança para outro local mais habitável vem à baila. Ainda que Nova York, talvez o preferido dos mais abastados na lista dos refúgios ideais, tenha saído momentaneamente do ranking, não há fim para as discussões questionando se vale a pena viver metido no caos urbano. Na manhã de segunda, quando escrevo este artigo por exemplo, há centenas de quilômetros de congestionamentos, enchentes e desabamentos em virtude da chuvarada que despencou sem aviso prévio. Sem falar na violência, que deixou de lado qualquer referencia à lógica.
Mas com tudo isso, por que São Paulo não se esvazia? Por que se vê o mercado imobiliário borbulhando de gente atrás da chance de viver próximo aos Jardins, na Vila Madalena, na Moóca, no Jardim São Bento, em Pinheiros, na Lapa, e até mesmo no velho centrão?
Sou capaz de enumerar algumas respostas. Vejamos a livraria Cultura por exemplo. Entrar em sua loja é obter uma experiência de prazer, que só era possível até pouco tempo nas Barnes & Noble e quetais, espaços que à maioria dos mortais só era dado experimentar em filmes. Além da clássica sede do Conjunto Nacional, a filial do Shopping Villa-Lobos é deliciosa, tem atendimento cordial, luz agradável, estoques fartos e, pasmem, poltronas para que se degustem os volumes em paz celestial, sem bedéis rondando ou limites de tempo.
Há bem pouco tempo isso seria considerado uma loucura por qualquer comerciante preocupado, simplesmente, com o volume do caixa e com a fiscalização de clientes e funcionários. Na mesma linha, a Fnac, mesmo tendo visto a loja de eletrônicos se sobrepor aos livros, que ocupavam 100% do espaço na gestão anterior, continua oferecendo espetáculos de artes de ótima qualidade para quem desejar assistir. Sexta passada, pais filhos, namorados e aposentados esqueciam da carne e viajavam ao sabor do espírito.
Em alfa
Bem perto dali, há uma outra resposta. O Parque Villa-Lobos, alvo de pendengas e dúvidas políticas, e que nasceu de um projeto duvidoso, vai com o passar do tempo ganhando beleza e, acredite, administração inteligente. Com a maratona do Pão de Açúcar, a empresa de supermercados despejou verba e bom senso, que se transformaram em viveiros de plantas, quadras de tênis abertas ao público, sinalização, floreiras e até uma pista rústica para mountain bike, numa áreas até então vetada ao público. A Caloi investiu em publicidade discreta e adequada, reformando e sinalizando a ciclovia. A Nossa Caixa banca painéis publicitários que aparentemente viabilizam a manutenção das quadras de tênis. Milhares de pessoas aproveitavam o domingo passado por lá, ainda com a expressão desconfiada de quem decididamente não está acostumado a ver o poder público fazer algo assim.
Virando o foco radicalmente do lazer barato à cultura mais sofisticada, se é que é possível graduar desta forma simplória formas diversas de manifestações de cultura, o fato é que o Teatro Alfa merece todos os louvores. Esta semana , a ópera Carmen, logo depois da fantástica Pina Bausch. Em outubro Oscar Peterson, só para falar de uma pequena parte da programação da casa, que diga-se, tem estacionamento, banheiros, poltronas, funcionários e acústica excelentes.
Prefere algo que possa fazer em casa, digno do que há de melhor no mundo, mas visto com olhos brasileiros? Compre um exemplar da revista Arc Design. Posso afirmar que ingleses, americanos e italianos tem de tirar seus chapéus encardidos do ranço Uó Paper para admirar essa publicação brasileira sobre arte, design gráfico e arquitetura, de beleza e sofisticação reconfortantes. Entre outras coisas, uma época como essa faz com que prestemos mais atenção ao que vale a pena.
Jornal da Tarde
02/10/2001
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário