Praias marcadas
Foi criada uma nova mídia: uma máquina que imprime logotipos e mensagens na areia das praias
Acabo de receber um aviso dando conta da criação de uma nova mídia. Trata-se de uma máquina que imprime logotipos de empresas, slogans e mensagens de cunho social e/ou comercial na areia das praias.
Acoplado aos enormes caminhões varredores, máquinas que fazem a limpeza das praias mais populares nos primeiros raios de sol da manhã, o dispositivo é capaz de imprimir em baixo relevo, milhares de quadrados com mensagens comerciais em toda faixa de areia perto do mar. Nas fotos demonstrativas que acompanham o material, podem ser conferidos logotipos como Coca-Cola, Globo, Mc Donalds, Bradesco, Telefonica e outras grandes corporações. Há, ainda, exemplos de campanhas de "cunho social" com frases como "Esporte não é droga, pratique".
No mesmo material, descobre-se que, com a verba paga pelos anunciantes, pequenas prefeituras poderão passar a limpar melhor suas praias, deixando de fazer o serviço manualmente e adquirindo o equipamento.
Lembro-me de quando comecei a escrever esta coluna, aqui mesmo no JT, uns dez anos atrás, no caderno que se chamava Jornal da Praia. Na época, registrei, revoltado, meu repúdio contra a instalação de um enorme relógio desses que mostram hora e temperatura, debaixo de um back light gigante com a marca de um fabricante de cigarros. O totem ficava em plena, então quase imaculada, Maresias, uma espécie de santuário até ali.
Olhando para o que se tornou Maresias hoje, meu protesto não passa de uma comédia de gosto questionável.
A noção do que é e para que serve uma praia tem sido de tal forma revirada que tenho dificuldade para formar minha opinião sobre o serviço proposto pela nova companhia de mídia exterior em forma de carimbos que somem das areias no decorrer do dia.
Quando era claro para a maioria da população que praias eram pedaços especiais do meio-ambiente, faixinhas lindas do planeta espremidas entre céu, água e terra, nas quais havia menos gente que nas cidades, e onde, por um fenômeno difícil de explicar, as pessoas se tornavam melhores, mais parecidas com o que de verdade são, retomando aquilo que vai ficando esquecido na vida aglomerada dos grandes centros, um despretensioso relógio parecia um grito histérico irrompendo em meio à mais calma e doce melodia de João Gilberto.
Berros
Agora que as praias estão mais para Funk do Tigrão que para Garota de Ipanema, e que vêm aos poucos se tornando espécies de parques temáticos, filiais de grandes feiras promocionais, abrigando show rooms, back lights, outdoors, boates, exércitos de promoters que distribuem amostras uns aos outros desesperadamente, a proposta da empresa mencionada parece fazer algum sentido. É como se fossemos esperar que a Avenida Henrique Schaumann prescindisse do caminhão que a varre, ou das placas que anunciam comércios, serviços e outros "features".
O que está errado, a transformação do planeta e do meio-ambiente num shopping gigante, onde a sujeira, a degradação e a poluição são só um meio, plenamente justificado pelo fim maior do "mercado" e da "economia próspera"?
Ou a empresa que, diante do inexorável, oferece uma maneira criativa de diminuir o problema, entregando areias limpas de manhã em troca de alguns milhares de quadradinhos com a marca Marlboro?
Jornal da Tarde
30/10/2001
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